1.4 Infâncias e Diversidade

Nos estudos realizados ao longo da elaboração deste documento de orientação curricular, apontou-se a importância de considerar, por exemplo, que a concepção de infância está ligada à cultura e à sociedade em que a criança está inserida, pois as crianças estão sempre sujeitas a serem influenciadas no espaço-tempo em que vivem¹. Benjamin (2002, p. 77) é enfático ao afirmar que “a criança é um sujeito da cultura, e não apenas objeto dela”. Assim, a forma de compreender a criança e a infância tem passado por mudanças significativas, que são perceptíveis na literatura da área produzida nas últimas décadas, bem como nos diversos documentos oficiais elaborados pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil – DCNEI – trazem um novo olhar ao referir-se à concepção de criança e às especificidades do ser criança quando afirmam que elas “são seres humanos portadores de todas as melhores potencialidades da espécie”. Este mesmo documento destaca a criança como sujeito social e histórico que faz parte de uma organização familiar inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura em um determinado momento histórico. Ou seja, tanto os estudos atuais como os documentos oficiais demonstram uma atenção especial para com a forma de concebermos a criança, a sua infância e as suas características2.

O conceito de infância, atualmente, redesenha-se com a influência de fatores externos ao meio familiar, principalmente das mídias. Ocorre o que Postman (1999) caracteriza como sendo o “desaparecimento da infância”, ou seja, um amadurecimento precoce cultural acelera a transformação das crianças em adultos. Esse acelera- mento antecipa etapas, desestrutura o desenvolvimento da infância e, consequentemente, reflete na precocidade das outras fases da vida, principalmente emocional da criança.

A escola é um dos espaços que lida diretamente com a criança nas diversas fases da infância. As interações que ocorrem neste contexto precisam considerar a influência histórica, cultural e social em que o sujeito está inserido para que os processos de aprendizagem sejam pensados e planejados a partir de uma educação significativa na formação humana crítica.

Conforme a Proposta Curricular de Santa Catarina (2014) 3 , os seres humanos são diversos em suas experiências de vida históricas e culturais, são únicos em suas personalidades e percebem o mundo de maneira diferente, constituindo-se como sujeitos socioculturais.

Considerando que todos somos diferentes, a diversidade pode ser entendida, desta forma, como a construção histórica e social nos diferentes tempos e espaços, ou seja, não pode ser compreendida apenas a partir dos aspectos observáveis a olho nu ou biológicos. Ela também é construída nos processos históricos cumulativos.

Cabe lembrar que uma das Competências Gerais da BNCC é “valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade” (BRASIL, 2018, p. 09). Destaca-se neste mesmo documento que “a escola, como espaço de aprendizagem e democracia inclusiva, deve se fortalecer na prática coercitiva de não discriminação, não preconceito e respeito às diferenças e diversidades” (BRASIL, 2018, p. 14).

Sinalizamos, desta forma, que um percurso formativo inclusivo precisa compreender na organização curricular – que engloba o entrelaçamento entre o trabalho no seio de cada componente curricular ou a partir do diálogo entre componentes com práticas educativas presentes nos mais diferentes projetos educativos que a escola desenvolve – a diversidade como “princípio formativo”. A PCSC (2014) aponta a importância de considerar: I) a educação para as relações de gênero; II) a educação para a diversidade sexual; III) a educação das relações étnico-raciais; IV) a educação especial; V) a educação escolar indígena; VI) a educação do campo e; VII) a educação escolar quilombola.

E, por isso, reforça-se a compreensão de educação enquanto direito universal acompanhada da ideia de uma educação comum a todos, no sentido de aprendizagens de saberes válidos para toda e qualquer pessoa, considerando sua cultura, sua história e seu contexto social. Na atualidade, têm-se intensificado as discussões relacionadas com os temas envolvendo a diversidade, cada vez mais presentes no ambiente educacional. Isso se dá pelo fato de a escola receber alunos de diferentes grupos sociais, políticos, econômicos, étnicos, religiosos, entre outros.

O Currículo Base da Educação Infantil e do Ensino Fundamental do Território Catarinense (2019) reitera a importância de se considerar nos processos de ensinar e aprender na escola a dimensão da diversidade. O referido documento coloca alguns desafios necessários à escola, em movimento a partir do “currículo em ação”, como espaço-dispositivo estratégico para:

I. Enfrentar o racismo estrutural e institucional por meio de “práticas pedagógicas interdisciplinares, articuladas aos componentes curriculares, mediante utilização de metodologias e de estratégias que visem assegurar o respeito, o reconhecimento, o protagonismo e a valorização étnico-racial dos afrodescendentes e indígenas no ambiente escolar” (p. 34);

II. Superar as visões negativadas acerca do rural como espaço do atraso, periférico e à margem das políticas públicas, potencializando a Educação do Campo como parte dos direitos dos sujeitos do campo ao acesso à escolarização no lugar e/ou comunidade em que vivem e um processo de escolarização que respeite seus territórios, saberes e práticas (p. 87-92);

III. Fortalecer a Educação Especial como parte indissociável da Educação Básica, “um direito de todos e dever do Estado e da família, sem qualquer forma de preconceito ou discriminação, pela sua condição humana de ser e estar no mundo, visando minimizar as desigualdades sociais e promover o sucesso e o bem-estar de todos os estudantes” (p. 93);

IV. Atender ao chamado dos professores indígenas presente na “Carta às professoras e aos professores das Redes Pública Estadual e Municipal de Educação Básica de Santa Catarina” em que muitos destaques acerca de seus saberes, práticas e territórios sugerem a todos e todas que “ao criarem seus planos de aula para cada componente curricular, busquem bibliografias indígenas históricas e também atuais”. Tenham como referência as muitas indicações bibliográficas realizadas no referido documento e que contribuam nos processos de ensinar e aprender na escola para superar preconceitos (p. 46 – 48);

V. Oportunizar a oferta de uma Educação Ambiental Formal enquanto “processo e não evento considerando a educação dos sujeitos para o conhecimento socioambiental e suas conexões, sustentadas na informação, na sensibilização e na mobilização individual e/ou coletiva para a construção de valores socioambientais, conhecimentos, habilidades, atitudes, tanto para a melhoria quanto para a sustentabilidade de todas as formas de vida; e que, no âmago do corpo-mente-espírito, possa promover a fé e a busca de esperança” (p. 24)

Sugerimos a leitura deste documento e suas contribuições acerca dos grandes temas da diversidade e as possibilidades de trabalho na escola, também como contribuição para fomentar ações pedagógicas que visem o desenvolvimento das competências gerais da BNCC que fazem referência à valorização da diversidade de saberes e vivências culturais existentes nos territórios de vida e ao exercício permanente da empatia, do diálogo, da cooperação, do “acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e grupos sociais” (BRASIL, 2018).

Tudo pode começar pelo compreender melhor quem são os sujeitos escolares, como se caracterizam as comunidades em que vivem e qual seu potencial pedagógico. Compreendeu-se que o trabalho com a diversidade pode ajudar a melhorar a ambiência de ensino e aprendizagem, combater a repetência e o abandono/esvação escolar. Pode-se avançar, como também preconiza a BNCC, na construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva.