Ivandra Luciane Matiassi

Jucilei Blanger Perin

Lorita Helena Campanholo Bordignon

Márcia Moreno

Maria Odete Ruschel

[...] a arte é uma técnica social do sentimento, um instrumento da sociedade através do qual incorpora ao ciclo da vida social os aspectos mais íntimos e pessoais do nosso ser. Seria mais correto dizer que o sentimento não se torna social, mas, ao contrário, torna-se pessoal, quando cada um de nós vivencia uma obra de arte, converte-se em pessoal sem com isto deixar de continuar social (VIGOTSKI, 1999, p. 315).

Inúmeras são as formas de comunicação, com as quais os membros de todos os povos, países e culturas registraram a sua passagem por este planeta. Parte-se da concepção de que toda produção artística nasce da história. Se toda criação está carregada de sentimentos e pensamentos de uma época, isso proporciona a possibilidade de conhecer mais lugares e tempos sem nunca ter visitado esses locais. Para Assumpção (2014, p. 44), “entender a arte como resultado da atividade humana também significa compreendê-la como uma necessidade imanente, gerada no processo de desenvolvimento da humanidade”.

É explícito que a capacidade criadora é uma característica humana que lhe distingue dos demais seres vivos. Para Marx e Engels (1979, p. 27) os homens “[...] começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida [...]. Produzindo seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material”. O ato criador, possibilitou produzir conhecimentos que garantiram a criação de condições necessárias à existência nos diferentes tempos históricos. A capacidade criativa, intrínseca ao ser humano “[...] faz do homem o único ser vivo capaz de pensar e construir as próprias condições de existência, o que o transforma em senhor do seu próprio destino” (PINO, 2006, p. 49).

A Arte, como uma das produções humanas, não acontece num vazio, nem desenraizada das práticas sociais vividas pela sociedade como um todo. É eficientemente um elo de transferência do mundo emocional que permite uma compreensão aprofundada dos entrelaçamentos da Arte e as vivências cotidianas. Conforme observa Freire (1996, p. 49): Na história de sua cultura, o ser humano atinge o ontem, reconhece o hoje e descobre o amanhã. O homem existe no tempo e no espaço, tem consciência, está dentro, está fora, herda, incorpora, modifica, não está preso a um tempo, a um hoje permanente: está aberto ao diálogo que deve ser explorado nas práticas. Temporaliza-se.

Assim, quando se aprecia uma obra de arte é como uma visita ao passado, pois as manifestações artísticas das diferentes épocas revelam como as pessoas viveram e pensaram. “[...] A arte é o social em nosso interior [...] ou seja, o ser humano se apropria do social, do exterior e pela mediação humana, num processo dialético ele internaliza essa produção social, desenvolvendo uma transformação intrapsicológica” (CARAM, 2015, p.53).

Para melhor compreender a arte, sua história e suas influências na cultura, faz-se necessária atenção e aprofundamento às práticas artísticas, reconhecendo a influência do processo histórico-social na humanidade e, consequentemente, na Arte. É importante também saber como as relações culturais mobilizam valores, concepções de mundo, de ser humano, de gosto e de grupos sociais.

A Arte faz parte da vida desde os primórdios. Pela Arte, o ser humano se expressa por meio de diferentes linguagens, expondo e dialogando com seu mundo, das experiências, sentimentos e emoções. Assim, com base no contexto social, econômico, cultural, filosófico e religioso, a Arte possibilita que os sujeitos falem de si, dos outros, do contexto ao qual estão envolvidos. “Arte é, portanto, o mecanismo pelo qual o ser humano cria e recria a matéria, e dialeticamente, quando cria e recria, ele mesmo se humaniza, ou seja, acontece o processo de desenvolvimento humano.” (CARAM, 2015, p. 56).

A Arte é humana, pois expressa a subjetividade do passado, presente e futuro, no sentido de (re)significar a realidade social e cultural dos sujeitos na relação destes com seus pares e com a natureza que os cercam. Sendo assim, a Arte é a criação do conhecimento humano. Trata-se de processos desenvolvidos ao longo da história da humanidade e materializada por meio dos mais diversos suportes, técnicas e estilos, de acordo com o que o contexto lhe permite, a partir dos materiais de que dispõe. A Arte, “[...] como parte condensada do todo, representa/expressa-se, de maneira intensiva, verdadeira e essencial à vida de determinada etapa da humanidade em sua contraditoriedade, em seu movimento e em sua perspectiva real” (LUKÁCS, 1968, p. 267).

No processo de educação formal, a Arte enquanto disciplina curricular, assim como as demais disciplinas, exerce papel relevante, pois além de possibilitar o desenvolvimento da sensibilidade, percepção e imaginação dos alunos, por retratar o contexto de sua criação, contribui para melhor compreensão dos aspectos históricos, geográficos, sociológicos, filosóficos, econômicos, entre tantos outros conhecimentos que podem ser estudados e explorados utilizando-se de linguagens artísticas.

Mas, afinal, como organizar o ensino da Arte conforme a BNCC? Enquanto a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais propõe reflexões sobre a importância da arte na vida do ser humano, a BNCC propõe que, no ensino fundamental [...] os alunos devem expandir seu repertório e ampliar sua autonomia nas práticas artísticas, por meio da reflexão sensível, imaginativa e crítica sobre os conteúdos artísticos e seus elementos constitutivos e também sobre as experiências de pesquisa, invenção e criação (BRASIL, 2017, p. 197).

De acordo com a Base, o componente Arte no Ensino Fundamental se localiza na Área de Linguagens. A Arte, por meio de suas linguagens artísticas, articula “[...]saberes referentes a produtos e fenômenos artísticos e envolve as práticas de criar, ler, produzir, construir, exteriorizar e refletir sobre formas artísticas”, contribuindo significativamente para o desenvolvimento da sensibilidade, da intuição, da imaginação, do processo criador e criativo dos sujeitos. Ou seja, contribui para o desenvolvimento humano em diferentes dimensões.

Figura 1 – Unidades temáticas do componente Arte de acordo com a BNCC (2017).

Artes Integradas, que tem como objetivo principal explorar “[...] as relações e articulações entre as diferentes linguagens e suas práticas, inclusive aquelas possibilitadas pelo uso das novas tecnologias de informação e comunicação” (BRASIL, 2017, p. 197). Sendo assim, os eixos temáticos, no âmbito pedagógico escolar, não apresentam nenhuma hierarquia entre si, são maleáveis e se unem “[...] constituindo a especificidade da construção do conhecimento em Arte na escola” (BRASIL, 2017, p. 195).

Nessa perspectiva, o processo de ensino e aprendizagem deverá se pautar no sentido de proporcionar aos alunos se apropriarem de conhecimentos específicos das linguagens artísticas nos diferentes contextos históricos e nas diversas culturas. Por meio de propostas pedagógicas que promovam a compreensão da Arte enquanto elemento presente na vida dos sujeitos. E ainda, articular as diferentes linguagens em suas práticas de criação, por meio de diferentes suportes e meios tecnológicos, de modo a desenvolver habilidades específicas da Arte, suas competências gerais e específicas previstas pela BNCC para os anos iniciais, com perspectiva de continuidade para os anos finais do ensino fundamental (BRASIL, 2017).

A BNCC, orienta o processo de ensino e de aprendizagem da Arte a partir das unidades temáticas articuladas e integradas a seis dimensões do conhecimento curricular: “[...] Uma vez que os conhecimentos e as experiências artísticas são constituídos por materialidades verbais e não verbais, e conta sua natureza vivencial, experiencial e subjetiva” (BRASIL, 2017, p. 195).

Desta forma, acredita-se ser relevante ao professor conhecer, aprofundar e se familiarizar com a estrutura da Arte disposta no documento Base, os termos propostos, as dimensões, as competências específicas da área da linguagem, específicas do componente Arte, para o ensino fundamental, imbricadas com as competências gerais da Base Nacional Comum Curricular.

Para tanto, compartilham-se neste documento as competências elucidadas na Base Nacional Curricular Comum (BNCC), tendo em vista a importância em se garantir que os alunos tenham acesso e sejam desenvolvidas as devidas competências, tendo como entremeio o professor:

1. Explorar, conhecer, fruir e analisar criticamente práticas e produções artísticas e culturais do seu entorno social, dos povos indígenas, das comunidades tradicionais brasileiras e de diversas sociedades, em distintos tempos e espaços, para reconhecer a arte como um fenômeno cultural, histórico, social e sensível a diferentes contextos e dialogar com as diversidades.

2. Compreender as relações entre as linguagens da Arte e suas práticas integradas, inclusive aquelas possibilitadas pelo uso das novas tecnologias de informação e comunicação, pelo cinema e pelo audiovisual, nas condições particulares de produção, na prática de cada linguagem e nas suas articulações.

3. Pesquisar e conhecer distintas matrizes estéticas e culturais – especialmente aquelas manifestas na arte e nas culturas que constituem a identidade brasileira – sua tradição e manifestações contemporâneas, reelaborando-as nas criações em Arte.

4. Experienciar a ludicidade, a percepção, a expressividade e a imaginação, ressignificando espaços da escola e de fora dela no âmbito da Arte.

5. Mobilizar recursos tecnológicos como formas de registro, pesquisa e criação artística.

6. Estabelecer relações entre arte, mídia, mercado e consumo, compreendendo, de forma crítica e problematizadora, modos de produção e de circulação da arte na sociedade.

7. Problematizar questões políticas, sociais, econômicas, científicas, tecnológicas e culturais, por meio de exercícios, produções, intervenções e apresentações artísticas.

8. Desenvolver a autonomia, a crítica, a autoria e o trabalho coletivo e colaborativo nas artes.

9. Analisar e valorizar o patrimônio artístico nacional e internacional, material e imaterial, com suas histórias e diferentes visões de mundo.

De acordo com Assumpção (2014, p. 8), “Os conhecimentos artísticos, filosóficos e científicos ensinados na escola não têm uma finalidade prática direta, contudo, precisam ser organizados para transformar a concepção de mundo dos sujeitos”. Nessa perspectiva, o professor deverá conhecer o currículo proposto pela unidade de ensino e a partir disso, elaborar seu planejamento, articulando o que está disposto nos documentos oficiais e a realidade dos sujeitos inseridos na escola. Sendo assim, “[...] o professor age deliberadamente, visando alcançar objetivos previamente estabelecidos em termos da aquisição de conhecimentos pelos alunos”. (DUARTE, 2008, p. 7-8). O planejamento é o roteiro que aponta o caminho a ser percorrido. É ele que delineia como dar-se-á a caminhada, apresentando onde se pretende chegar e os motivos; o que fazer e com que ferramentas, bem como quanto ao processo avaliativo.

Observa-se a relevância deste campo do conhecimento para a formação do ser humano, já que “[...] a arte não irá compreender somente utilidades técnicas, mas sim de humanização, de transformação, de reflexão da realidade” (CARAM, 2015, p. 57). Portanto, por meio do ensino e aprendizagem da Arte, pela fruição de objetos ou situações criadas, apresentadas e representadas pelo artista ‒ seja na forma de pintura, escultura, desenho, performance, teatro, cinema, vídeo, som ou imagem ‒ o indivíduo pode, no ato de presenciar o novo, apreender uma nova concepção de mundo.

Para tanto, Martins (2012, p. 75) aponta para os perfis profissionais dos professores. Segundo a autora, estes devem ser:
Corajosos e ousados para permitir o caos criador e o estudo que nos leve para o que ainda não sabemos, compromissados com as ressonâncias de nossas ações, desejos por compartilhar. Professores pesquisadores capazes de trabalhar em projetos inter ou transdisciplinares, não só com o olhar voltado para as linguagens da Arte, mas para a história, o meio ambiente, a linguagem verbal, os avanços da ciência e da tecnologia, porque tudo está no mundo contemporâneo.

A Arte é inerente a vida dos sujeitos e se faz presente nos mais diversos contextos, por meio de técnicas, suportes, materiais físicos dos mais diversos. Logo, ao conhecer e compreender a Arte enquanto linguagem, lançando mão da leitura, contextualização da produção, realiza-se a leitura do que outros povos da civilização humana deixaram registrados por meio da Arte. Ao mesmo tempo, a Arte possibilita que o sujeito inserido no contexto atual também fale de si e de seu entorno, fazendo uso dos suportes e materiais de seu tempo, e assim, construindo o seu registro enquanto história, usando de sua expressão do contexto histórico atual.

Segundo Valle e Vianna (2004, p. 95):
O educador, em Arte, precisa compreender que ele é o mediador das experiências existentes entre o educando e sua realidade. Ele pode contribuir no processo sutil de desenvolvimento da percepção, da imaginação e da criação, portanto, este educador deve ter conhecimento e vivência em arte. Os educadores devem acreditar na individualidade de cada ser humano, no seu poder de criatividade, na necessidade vital que tem de se expressar.

Corroborando com essa visão, Vygotsky (2003, p.75) observa que não seria “[...] possível exercer uma influência direta e produzir mudanças em um organismo alheio, só é possível educar a si mesmo, isto é, modificar as reações inatas através da própria experiência”. Para tanto, a sala de aula deverá se transformar num espaço estimulante, provocativo, problematizador, no qual o aluno possa ter suas ideias e teorias confrontadas, refutadas, compartilhadas, enfim, discutidas entre colegas e professores. Só assim, poderá haver crescimento. Um professor ciente de como se dá o conhecimento estético e receptivo às manifestações do aluno poderá proporcionar uma formação de qualidade ao que se refere a um sujeito criativo, colaborativo, crítico e atuante no entorno do qual está inserido.

REFERÊNCIAS

ASSUMPÇÃO, Mariana de Cássia. As relações entre arte e vida em Lukács e Vigotski. Revista Aspas, v. 4, n. 1, p. 41-49, 30 jun. 2014. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/aspas/article/view/75572. Acesso em: 7 jul. 2019.

ASSUMPÇÃO, Mariana de Cássia. As relações entre arte e vida em Lukács e Vygotsky. Pesquisa de mestrado, Universidade Estadual Paulista (UNESP-Araraquara), 2014.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio. Acesso em: 10 mar. 2019.

CARAM, Adriana Maria. Arte na educação infantil e o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. 2015. 164 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos (SP), 2016. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/7440/TeseAMC.pdf. Acesso em: 7 jul. 2019.

DUARTE, Newton. Arte e Formação Humana em Lukács e Vygotsky. 2008.

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 22. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

HAMANN, M. Inês. Contaminação. Curitiba: Casa João Turin, 2002. Catálogo de exposição.

HELLER, Agnes. Everyday Life. Traduzido do original em húngaro por G. L. Campbell. London (England), Routledge & Kegan Paul. 1984.

LUKÁCS, G. Introdução a uma estética marxista: sobre a categoria da particularidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

MARTINS, Mirian Celeste. Aquecendo uma transformação: atitudes e valores no ensino da arte. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=n3doDwAAQBAJ&pg=PT64&lpg=PT64&dq. Acesso em: 27 jun. 2019.

MARX, K. G. ENGELS, F. A ideologia alemã. 2. ed. São Paulo: Ciências Humanas, 1979.

PINO, Angel. Relações estéticas, atividade criadora e imaginação: Sujeitos e (em) experiência. Imaginário e Produção Imaginária: Reflexões em educação. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2006.

VIANNA, Maria Letícia Rauen; VALLE, Neli Klein do. Psicodrama Pedagógico e Arte-Educação. Curitiba: IBPEX, 2004.

VYGOTSKY, L. S. Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003.

VYGOTSKI, L. S. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.