Considerando os marcos teóricos e educacionais dispostos neste documento, compreende-se que é preciso pensar a escola, também, articulada aos processos formativos que constituem a vida social e as relações que os seres humanos estabelecem com a natureza em uma perspectiva emancipatória. Trata-se de entender que a escola, no desenvolvimento de sua função social, muito embora tenha um lugar diferenciado, especializado no processo de desenvolvimento humano, como já tratado anteriormente, não pode estar separada do movimento da vida em sua complexidade material e imaterial, assim como de suas contradições. Isso não significa, em hipótese alguma, reduzir a conexão a conversas sobre aspectos ou problemas da realidade, mas garantir efetiva apropriação de conhecimentos significativos à construção de novas relações sociais, assim como de relações mais equilibradas entre o ser humano e a natureza.

Cabe destacar que a BNCC (2017, p. 16) sugere aos professores e professoras “contextualizar os conteúdos dos componentes curriculares, identificando estratégias para apresentá-los, representá-los, exemplificá-los, conectá-los e torná-los significativos, com base na realidade do lugar e do tempo nos quais as aprendizagens estão situadas”. Assim, também, a PCSC (2014, p. 26) reitera que “a formação integral demanda um currículo que se conecte com a realidade do sujeito, uma vez que as experiências com as quais estes sujeitos se envolvem diuturnamente são experiências nas quais os conhecimentos estão integrados”.

A partir desta compreensão, no âmbito deste movimento regional de (re)organização das matrizes curriculares dos municípios da AMOSC, optou-se pela realização de um mapeamento coletivo de fontes pedagógicas da realidade todo e qualquer componente e/ou fenômeno da vida que se manifesta nas relações que os seres humanos estabelecem uns com os outros e para com a natureza, marcada por múltiplas dimensões (estética, ética, cultural-simbólica, política, econômica, social, ambiental, entre outras), múltiplas escalas (local-global, espaço-temporal), de caráter material e imaterial ao mesmo tempo. Percebe-se que o mapeamento de fontes pedagógicas e suas múltiplas conexões com o trabalho formativo da escola provoca pertença sobre o que a escola faz e para quem faz, significando o papel do conhecimento enquanto dispositivo emancipador.

A partir desta compreensão, o mapeamento das fontes pedagógicas precisa se desencadear inicialmente em três escalas: da comunidade em que vive o estudante e os professores e professoras; da escola e seu entorno; do município e sua região de abrangência. Este movimento objetiva estabelecer um diálogo com os espaços e os sujeitos de sua comunidade, assim como de produção de um olhar atento sobre como os conhecimentos científico-didáticos trabalhados possuem inúmeras relações com a realidade vivida. As fontes pedagógicas podem ser: naturais e ambientais, culturais e simbólicas, políticas, econômicas e sociais. Veja-se o esquema a seguir:

Com base no esquema anterior, cabe salientar que o mapeamento das fontes pedagógicas da realidade é um exercício de investigação coletiva, compreende a participação dos/as gestores/as, dos/as professores/as, das/os estudantes e seus familiares, de diferentes membros/representações da comunidade. Exige registro, descrição e significação. Não sendo estático, trata-se de um exercício que pode ser atualizado sistematicamente.

Talvez seja necessária a realização de trabalhos de campo, de visitas pedagógicas. É importante que as crianças tenham a oportunidade de dialogar com as pessoas, conhecer os lugares, os territórios, ouvir histórias, contos e lendas, questionar e trocar experiências, tocar e sentir os elementos dos lugares e das paisagens sempre que puderem, sentir cheiros, sons e sabores, entre outros.

Nas aulas de Língua Portuguesa para os 1º e 2º Anos, por exemplo, o Campo da Vida Cotidiana se destaca e, uma das habilidades a serem desenvolvidas pelas crianças está em “ler e compreender, em colaboração com os colegas e com a ajuda do professor, ou já com certa autonomia, listas, agendas, calendários, avisos, convites, receitas, instruções de montagem (digitais ou impressos), dentre outros gêneros do campo da vida cotidiana”. Assim, vale perguntar: Como seria uma aula em que professor e alunos se reúnem para organizar coletivamente um calendário de eventos considerando os principais eventos da escola, da comunidade e da cidade em que habita? Ou ainda, como seria investigar, registrar e socializar na forma de um livro de receitas, os pratos típicos produzidos pelos seus familiares? E mapear os inúmeros avisos dispostos na cidade e compreender melhor com a mediação pedagógica do professor o que eles dizem? O mergulho nas fontes pedagógicas da realidade é estratégico, desta forma, na articulação e contextualização de conhecimentos.

Na região da AMOSC, por exemplo, pode-se afirmar que a Bacia do Rio Uruguai se constitui em uma importante fonte pedagógica da realidade, tanto pelo seu poder de transformação das paisagens naturais quanto de influenciar nas formas de ocupação e uso do solo pelos seres humanos, a exemplo do ordenamento espacial das cidades. Uma aula de Ciências ou de Geografia, por exemplo, não pode desconsiderar que há uma riqueza natural ecossistêmica que tem ligação direta com a dinâmica do rio, que os seres humanos se apropriaram e se apropriam dele até hoje para suprir inúmeras necessidades. Em uma aula de História, torna-se possível resgatar como a dinâmica dos rios se tornou parte constituinte da identidade das comunidades que aqui vivem, a modelo da figura dos Balseiros ou dos atingidos por barragem. Não há como contar a história da região sem considerar a figura dos balseiros que, por aproximadamente 20 anos, tiveram um importante papel na atividade econômica ligada à exploração da madeira. Muitos balseiros e seus familiares ainda vivem em diversos municípios da região: por que não desenvolver uma atividade na escola em que algum balseiro ou familiar possa estar presente e contar um pouco mais desse momento histórico para as crianças?

Na BNCC (p. 338), no componente de Ciências, outro exemplo, no 5º Ano, consta que uma das habilidades a ser desenvolvida está em “aplicar os conhecimentos sobre as mudanças de estado físico da água para explicar o ciclo hidrológico e analisar suas implicações na agricultura, no clima, na geração de energia elétrica, no provimento de água potável e no equilíbrio dos ecossistemas regionais (ou locais)”. Como seria uma aula ou um conjunto de aulas em que um dos pontos de investigação fosse sobre os efeitos (sejam eles positivos e/ou negativos) das transformações provocadas pelos habitantes da região oeste de Santa Catarina sob os rios que compõem a Bacia do Rio Uruguai? Ou ainda, em como o Rio Uruguai se tornou uma importante fonte produtora de energia e de consumo da água e, ao mesmo tempo, impactou cidades e pessoas, modificando suas dinâmicas de vida? Quais as possibilidades de uma abordagem interdisciplinar? Imagine-se um trabalho no território em que os estudantes possam conhecer, conviver, registrar, pesquisar sobre os temas e as questões levantadas no trabalho de campo, sistematizar e socializar os aprendizados na escola e com sua comunidade.

Muitas outras perguntas podem se fazer presentes: Quanta matemática pode ser encontrada no artesanato indígena Kaigang ou Guarani e que pode servir para potencializar o aprendizado acerca de outros conhecimentos matemáticos existentes? Como as casas legislativas e as prefeituras podem contribuir para que as crianças entendam um pouco mais como funciona a gestão da cidade e o papel dos três poderes para a democracia brasileira? Em que medida as praças, parques, logradouros, podem ser visitados para aprender um pouco mais sobre a história e geografia da comunidade e/ou da cidade? Uma propriedade rural localizada no entorno da escola poderia ser o ponto de partida de uma aula que envolve história, geografia ou ciências? O movimento de ensinar e aprender na escola não está (e não deve estar nunca) restrito às fontes pedagógicas da realidade, mas não há dúvidas de sua importância no processo de significação dos conhecimentos escolares.

Compreende-se que é na elaboração do plano de trabalho docente (que pode ser elaborado bimestral, trimestral ou semestralmente) e do plano de aula (que pode ser elaborado para uma ou para um conjunto de aulas), considerando os conceitos, as habilidades/objetivos de aprendizagem e os conhecimentos tidos como essenciais em cada ano, que o/a professor/a poderá:

I. Estabelecer conexões com as fontes pedagógicas da realidade, procurando articular, socializar e confrontar, no movimento de ensinar e aprender na escola, os conhecimentos cotidianos e típicos do lugar e/ou da comunidade em que vive o aluno e os conhecimentos científicos historicamente produzidos, acumulados e legitimados pela humanidade;

II. Conhecendo as fontes pedagógicas da realidade, utilizá-las como ponto de partida para o trabalho com os conhecimentos científico-didáticos, procurando contextualizar, sobretudo, para comparar lugares, paisagens, territórios, fenômenos em diferentes escalas em que a vida acontece;

III. Utilizar fontes, por meio de trabalhos de campo e/ou visitas de estudos, como laboratório vivo de aprendizagem, contribuindo no processo de significação de determinados conhecimentos, visando potencializar a compreensão de cidadania ativa, entre outros;

IV. Efetivar ações coletivas com os estudantes, que visem mobilizar conhecimentos e conceitos para debater questões e buscar possíveis resoluções para os dilemas vividos no cotidiano.

É preciso salientar que é um exercício dinâmico e cumulativo: se a escola conseguir estabelecer relação viva com a comunidade e seu município e/ou região, ela própria (famílias, grupos, organizações...) poderá tomar a iniciativa de fornecer novas fontes, instaurando um fluxo investigatório contínuo e educativo.