Nos estudos realizados ao longo da elaboração deste documento de orientação curricular, apontou-se a importância de considerar, por exemplo, que a concepção de infância está ligada à cultura e à sociedade em que a criança está inserida, pois as crianças estão sempre sujeitas a serem influenciadas no espaço-tempo em que vivem¹. Benjamin (2002, p. 77) é enfático ao afirmar que “a criança é um sujeito da cultura, e não apenas objeto dela”. Assim, a forma de compreender a criança e a infância tem passado por mudanças significativas, que são perceptíveis na literatura da área produzida nas últimas décadas, bem como nos diversos documentos oficiais elaborados pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil – DCNEI – trazem um novo olhar ao referir-se à concepção de criança e às especificidades do ser criança quando afirmam que elas “são seres humanos portadores de todas as melhores potencialidades da espécie”. Este mesmo documento destaca a criança como sujeito social e histórico que faz parte de uma organização familiar inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura em um determinado momento histórico. Ou seja, tanto os estudos atuais como os documentos oficiais demonstram uma atenção especial para com a forma de concebermos a criança, a sua infância e as suas características2.

O conceito de infância, atualmente, redesenha-se com a influência de fatores externos ao meio familiar, principalmente das mídias. Ocorre o que Postman (1999) caracteriza como sendo o “desaparecimento da infância”, ou seja, um amadurecimento precoce cultural acelera a transformação das crianças em adultos. Esse acelera- mento antecipa etapas, desestrutura o desenvolvimento da infância e, consequentemente, reflete na precocidade das outras fases da vida, principalmente emocional da criança.

A escola é um dos espaços que lida diretamente com a criança nas diversas fases da infância. As interações que ocorrem neste contexto precisam considerar a influência histórica, cultural e social em que o sujeito está inserido para que os processos de aprendizagem sejam pensados e planejados a partir de uma educação significativa na formação humana crítica.

Conforme a Proposta Curricular de Santa Catarina (2014) 3 , os seres humanos são diversos em suas experiências de vida históricas e culturais, são únicos em suas personalidades e percebem o mundo de maneira diferente, constituindo-se como sujeitos socioculturais.

Considerando que todos somos diferentes, a diversidade pode ser entendida, desta forma, como a construção histórica e social nos diferentes tempos e espaços, ou seja, não pode ser compreendida apenas a partir dos aspectos observáveis a olho nu ou biológicos. Ela também é construída nos processos históricos cumulativos.

Cabe lembrar que uma das Competências Gerais da BNCC é “valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade” (BRASIL, 2018, p. 09). Destaca-se neste mesmo documento que “a escola, como espaço de aprendizagem e democracia inclusiva, deve se fortalecer na prática coercitiva de não discriminação, não preconceito e respeito às diferenças e diversidades” (BRASIL, 2018, p. 14).

Sinalizamos, desta forma, que um percurso formativo inclusivo precisa compreender na organização curricular – que engloba o entrelaçamento entre o trabalho no seio de cada componente curricular ou a partir do diálogo entre componentes com práticas educativas presentes nos mais diferentes projetos educativos que a escola desenvolve – a diversidade como “princípio formativo”. A PCSC (2014) aponta a importância de considerar: I) a educação para as relações de gênero; II) a educação para a diversidade sexual; III) a educação das relações étnico-raciais; IV) a educação especial; V) a educação escolar indígena; VI) a educação do campo e; VII) a educação escolar quilombola.

E, por isso, reforça-se a compreensão de educação enquanto direito universal acompanhada da ideia de uma educação comum a todos, no sentido de aprendizagens de saberes válidos para toda e qualquer pessoa, considerando sua cultura, sua história e seu contexto social. Na atualidade, têm-se intensificado as discussões relacionadas com os temas envolvendo a diversidade, cada vez mais presentes no ambiente educacional. Isso se dá pelo fato de a escola receber alunos de diferentes grupos sociais, políticos, econômicos, étnicos, religiosos, entre outros.

O Currículo Base da Educação Infantil e do Ensino Fundamental do Território Catarinense (2019) reitera a importância de se considerar nos processos de ensinar e aprender na escola a dimensão da diversidade. O referido documento coloca alguns desafios necessários à escola, em movimento a partir do “currículo em ação”, como espaço-dispositivo estratégico para:

I. Enfrentar o racismo estrutural e institucional por meio de “práticas pedagógicas interdisciplinares, articuladas aos componentes curriculares, mediante utilização de metodologias e de estratégias que visem assegurar o respeito, o reconhecimento, o protagonismo e a valorização étnico-racial dos afrodescendentes e indígenas no ambiente escolar” (p. 34);

II. Superar as visões negativadas acerca do rural como espaço do atraso, periférico e à margem das políticas públicas, potencializando a Educação do Campo como parte dos direitos dos sujeitos do campo ao acesso à escolarização no lugar e/ou comunidade em que vivem e um processo de escolarização que respeite seus territórios, saberes e práticas (p. 87-92);

III. Fortalecer a Educação Especial como parte indissociável da Educação Básica, “um direito de todos e dever do Estado e da família, sem qualquer forma de preconceito ou discriminação, pela sua condição humana de ser e estar no mundo, visando minimizar as desigualdades sociais e promover o sucesso e o bem-estar de todos os estudantes” (p. 93);

IV. Atender ao chamado dos professores indígenas presente na “Carta às professoras e aos professores das Redes Pública Estadual e Municipal de Educação Básica de Santa Catarina” em que muitos destaques acerca de seus saberes, práticas e territórios sugerem a todos e todas que “ao criarem seus planos de aula para cada componente curricular, busquem bibliografias indígenas históricas e também atuais”. Tenham como referência as muitas indicações bibliográficas realizadas no referido documento e que contribuam nos processos de ensinar e aprender na escola para superar preconceitos (p. 46 – 48);

V. Oportunizar a oferta de uma Educação Ambiental Formal enquanto “processo e não evento considerando a educação dos sujeitos para o conhecimento socioambiental e suas conexões, sustentadas na informação, na sensibilização e na mobilização individual e/ou coletiva para a construção de valores socioambientais, conhecimentos, habilidades, atitudes, tanto para a melhoria quanto para a sustentabilidade de todas as formas de vida; e que, no âmago do corpo-mente-espírito, possa promover a fé e a busca de esperança” (p. 24)

Sugerimos a leitura deste documento e suas contribuições acerca dos grandes temas da diversidade e as possibilidades de trabalho na escola, também como contribuição para fomentar ações pedagógicas que visem o desenvolvimento das competências gerais da BNCC que fazem referência à valorização da diversidade de saberes e vivências culturais existentes nos territórios de vida e ao exercício permanente da empatia, do diálogo, da cooperação, do “acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e grupos sociais” (BRASIL, 2018).

Tudo pode começar pelo compreender melhor quem são os sujeitos escolares, como se caracterizam as comunidades em que vivem e qual seu potencial pedagógico. Compreendeu-se que o trabalho com a diversidade pode ajudar a melhorar a ambiência de ensino e aprendizagem, combater a repetência e o abandono/esvação escolar. Pode-se avançar, como também preconiza a BNCC, na construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva.

Durante todo o ano letivo, mas, sobretudo ao final de bimestres/trimestres, milhões de estudantes são avaliados pela escola. Professores, coordenadores pedagógicos, gestores, conselhos de classe..., historicamente empenham-se em “medir” o desempenho de cada estudante, atribuindo notas, conceitos e/ou registros para expressar o nível de aprendizagem e desenvolvimento individual. Com base nisso, classificam-se aqueles que representam os “bons” e os “maus” alunos, os “promovidos” e os “reprovados”.

Dados divulgados pelo Censo Escolar de 2017 sobre o ensino fundamental brasileiro indicam diferenças expressivas entre as taxas de aprovação por série. Constata-se também uma elevação considerável da distorção idade-série a partir do 5º ano, o que se agrava com uma taxa de migração para a EJA de em média 3% nos anos posteriores. Observa-se ainda que, apesar dos alunos das redes pública e privada apresentarem um risco similar de insucesso no primeiro ano do ensino fundamental, nas etapas subsequentes, o risco de insucesso dos alunos matriculados na rede pública é consideravelmente superior.

Nas escolas públicas, a taxa de insucesso (evasão, repetência e migração para a EJA) no Ensino Fundamental beira a média de 19%, o que indica a reprodução de um fenômeno peculiar de exclusão, muitas vezes “normalizado” e legitimado no cotidiano escolar. Ou seja: tais índices não mais escandalizam gestores, professores e demais profissionais da educação.

Excluir pelo “lado de dentro” denota um dado paradoxal: a escola, cuja função social é promover a aprendizagem e contribuir para a inclusão social, há muito tempo tem se constituído como lócus de exclusão. Via de regra, os estudantes que mais precisam de escola – devido à desigualdade sociocultural – são os primeiros a serem vítimas da discriminação escolar. Não raro, são as práticas avaliativas que embasam a produção de alegações diversas – “dificuldades de aprendizagem”, “rendimento insatisfatório”, “família desestruturada”, entre outras – reforçam aspectos negativos que marcam a vida escolar de milhares de crianças e jovens que anualmente reprovam ou se evadem da escola.

Paradoxalmente, quando mais precisariam contar com a escola, muitos desses jovens veem-se desprovidos dos conhecimentos e habilidades fundamentais para que possam esboçar um projeto de vida. Por sua vez, a escola, sem saber ao certo como ajudá-los e orientada por uma avaliação essencialmente normativa e arbitrária, os rotula como incapazes (MANSUTTI, 2011, p. 100).

Neste contexto de inclusão, deve-se problematizar os modelos de avaliação praticados na escola, mobilizando a reflexão sobre as concepções de mundo, de ensino e de aprendizagem que orientam a prática da avaliação em cada escola e que podem transformá-la em instrumento de “exclusão” ou de “inclusão”.

Sendo assim, a concepção de avaliação formativa ocupa um lugar relevante na educação brasileira, tendo em vista os objetivos da formação integral e do desenvolvimento de percursos formativos mais autônomos e conscientes de suas aprendizagens. De acordo com Bento (2017), a avaliação formativa é aquela constituída por procedimentos pedagógicos que favoreçam as aprendizagens dos estudantes. Isso inclui análises pedagógicas, construção de diagnósticos, definição de indicadores, escolha de instrumentos e de procedimentos de intervenção na sala de aula.

Na perspectiva formativa de avaliação, o foco são os processos de aprendizagem dos sujeitos, e não os sujeitos em si. No modelo meramente classificatório, avaliam-se pessoas para sumariamente distribuí-las em uma lista que não agrega nenhuma informação relevante para o percurso de formação delas. Só serve para a eleição dos “melhores” alunos da classe e para excluir os das últimas posições, alimentando um processo escandaloso: “a exclusão para o lado de dentro” (BENTO, 2017).

No âmbito da escola, a educação tem como finalidade o aprendizado dos estudantes, e a avaliação é o instrumento que permite acompanhar o desenvolvimento dessa aprendizagem. Ao fazer isso, a avaliação se amplia para observar, também, as condições em que a aprendizagem acontece. Isso porque o desempenho do aluno não é fruto somente de seus esforços individuais, mas também expressão do trabalho desenvolvido pelo coletivo da escola. Assim, avaliar implica analisar o desempenho das práticas pedagógicas, os processos de gestão da escola, as ações e políticas desenvolvidas pelo sistema de ensino. Portanto, quando os resultados da avaliação são negativos, o eventual fracasso do aluno é responsabilidade majoritária de todos. Por isso, segundo Mansutti (2011, p. 98), na concepção de avaliação formativa,

[...] as informações produzidas no interior de cada escola sobre o desempenho dos alunos mobilizam professores, diretores, coordenadores e gestores do sistema educacional. Eles são levados a buscar respostas para questões, tais como: o que os alunos estão aprendendo? Em que medida os resultados obtidos correspondem ao que a escola espera? Qual é o grau de equidade observado nos resultados de aprendizagem? Quais são os efeitos da repetência escolar?

A avaliação, nesse sentido, é parte do processo educativo, cuja missão é obter informações que auxiliem e orientem professores e estudantes e suas respectivas demandas nos planos cognitivo, pessoal e social. Isso implica atribuir à avaliação um caráter eminentemente formativo que defina o quê, como e para quê avaliar.

Assim, a avaliação compõe o cerne da ação docente e da gestão escolar. Ela deve se constituir objeto de atenção dos planejamentos dos professores, que precisam selecionar, segundo cada contexto e tema em estudo, quais instrumentos funcionarão como “termômetros” para identificar o que os estudantes aprenderam e o que ainda não conseguiram se apropriar. Não raro, para que venham a aprender, será necessário reorganizar o trabalho pedagógico, replanejando o conjunto de atividades programadas. Dito de outro modo: para além de “verificar” o que se aprende, a avaliação fornece informações essenciais tanto ao professor, sobre os rumos de sua atuação pedagógica, quanto aos estudantes, sobre como estão se desenvolvendo em seu percurso formativo.

A avaliação formativa se estabelece por meio de três operações: elaboração de critérios, definição de instrumentos para diagnóstico e estabelecimento de estratégias de intervenção.

Assumir uma avaliação baseada em critérios significa ter claro o que se espera que os estudantes aprendam ao final de um período específico de formação. Os critérios de avaliação estão intrinsicamente relacionados com os objetivos de aprendizagem.

Se os estudantes, na fase diagnóstica, conseguem extrair imagens de diferentes tipos de moradias por meio de recortes em revistas e jornais, estabelecendo comparações com as casas de sua comunidade, significa que parte do objetivo já foi atingido. Mas, em caso contrário, o docente precisará propor estratégias de intervenção para ajustar o planejamento à natureza das dificuldades constatadas.

Desse modo, a intervenção requer sempre uma reorganização do trabalho pedagógico, para que os estudantes consigam progredir em seu processo formativo. Frequentemente, isso exige um outro caminho metodológico: por exemplo, no caso em tela, o docente poderá apresentar diferentes imagens, ajudando-os a identificar características peculiares de cada moradia e tecendo comparações.

Neste documento, em cada Quadro de Referência dos Componentes Curriculares, foi estabelecido, à luz das habilidades e objetivos de aprendizagem, um conjunto de critérios que poderão auxiliar em processos avaliativos mais formativos. O desafio é eleger os instrumentos apropriados para o diagnóstico e definir as estratégias de intervenção, caso forem necessárias, como é o caso da recuperação paralela, ainda no momento do planejamento.