Elcio Cecchett

O Ensino Religioso (ER) articulado às demais áreas e componentes curriculares do Ensino Fundamental, aborda pedagogicamente o conhecimento religioso produzido no âmbito das culturas e tradições religiosas (indígenas, africanas, afro-brasileiras, judaico-cristãs e islâmicas, espíritas, hindus, chinesas, japonesas, semitas, esotéricos, sincréticos, entre muitas outras), e o conhecimento procedente das filosofias de vida (ateísmo, agnosticismo, materialismo, ceticismo, entre outros).

O currículo do ER não pode ser confundido como um espaço de doutrinação ou do ensino de uma religião na escola. A iniciação e prática religiosa são de foro individual, cabendo à família e à comunidade religiosa seu cultivo e desenvolvimento (FONAPER, 2009).

A BNCC apresenta quatro objetivos gerais a serem alcançados no ER ao longo do Ensino Fundamental. O primeiro visa proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos religiosos, culturais e estéticos, a partir das manifestações religiosas percebidas na realidade dos educandos. Isso significa que o ponto de partida são os saberes existentes no cotidiano concreto da vida dos estudantes, para dar ancoragem social aos conhecimentos que serão abordados.

Contudo, a atividade não pode ser interrompida neste ponto, pois é necessário ampliar o repertório de saberes dos estudantes, apresentando-lhes novos conhecimentos que possibilitem (re)leituras e (re)significações pessoais e coletivas. Para isso, a pesquisa e o diálogo são princípios mediadores e articuladores do processo de ensino-aprendizagem, possibilitando o aprofundamento e intercâmbio de ideias sobre as crenças religiosas e as filosofias de vida, de forma comprometida e responsável.

O segundo objetivo do ER consiste em propiciar conhecimentos sobre o direito à liberdade de consciência e de crença, no constante propósito de promoção dos direitos humanos. Estes valores são imperativos constitucionais invioláveis e, portanto, fundamentais para o pleno exercício da cidadania. O desafio, então, é oferecer aos estudantes o acesso a tais conhecimentos, com a finalidade de ampliar seus instrumentos de leitura e interpretação do mundo, para que exerçam a liberdade de pensamento e de crença de forma livre e responsável.

O terceiro objetivo visa o desenvolvimento de competências e habilidades que contribuam para o diálogo entre perspectivas religiosas e seculares de vida, exercitando o respeito à liberdade de concepções e o pluralismo de ideias. Assim, busca contribuir para consolidar os fundamentos básicos da democracia e da cidadania, incluindo a capacidade de estabelecer diálogo e construir explicações que “escapam do uso ideológico, doutrinal ou catequético” (FONAPER, 2009, p. 45).

Por fim, o quarto objetivo do Ensino Religioso é contribuir para que os educandos construam seus sentidos pessoais de vida a partir de valores, princípios éticos e da cidadania. Com isso, o estudante terá a possibilidade de construir referenciais que subsidiam o questionamento existencial e a construção de respostas devidamente informadas (FONAPER, 2009).

Considerando esses objetivos, o componente curricular de Ensino Religioso, conforme a BNCC, deve assegurar aos estudantes o desenvolvimento das competências específicas:

1. Conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos religiosos e filosofias de vida, a partir de pressupostos científicos, filosóficos, estéticos e éticos.

2. Compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas e filosofias de vida, suas experiências e saberes, em diferentes tempos, espaços e territórios.

3. Reconhecer e cuidar de si, do outro, da coletividade e da natureza, enquanto expressão de valor da vida.

4. Conviver com a diversidade de crenças, pensamentos, convicções, modos de ser e viver.

5. Analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da cultura, da política, da economia, da saúde, da ciência, da tecnologia e do meio ambiente.

6. Debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, de modo a assegurar os direitos humanos no constante exercício da cidadania e da cultura de paz.

Na BNCC, o currículo do ER está estruturado em três Unidades Temáticas: 1) Identidades e Alteridades; 2) Manifestações Religiosas; e 3) Crenças Religiosas e Filosofias de Vida. A unidade temática Identidades e Alteridades transversaliza todo o currículo, embora com mais ênfase nos Anos Iniciais, pois as bases do respeito e reconhecimento das diferenças podem e precisam ser aprendidas desde a tenra idade. Com esta unidade, busca-se que os estudantes reconheçam, valorizem e acolham o caráter singular e diverso do ser humano, por meio da identificação e do respeito às semelhanças e diferenças entre o eu (identidade) e os outros (alteridades), da compreensão dos símbolos e significados e da relação entre imanência e transcendência (BRASIL, 2017).

A transcendência é considerada a matriz dos fenômenos e das experiências religiosas, uma vez que, em face da finitude (dor, sofrimento, morte...), sujeitos e grupos sentem-se desafiados a atribuir sentidos e significados à vida. Na busca de respostas, o ser humano conferiu valor de sacralidade a objetos, coisas, pessoas, forças da natureza ou seres sobrenaturais, transcendendo a realidade concreta.

A dimensão transcendental é mediada por linguagens específicas, tais como o símbolo, o mito e o rito. No símbolo, por exemplo, encontram-se dois sentidos distintos e complementares, um é o objeto concreto e o outro é o significado atribuído. Ele é um elemento cotidiano ressignificado que passa a representar algo além de seu sentido primeiro. Sua função é fazer a mediação com outra realidade e, por isso, é uma das linguagens básicas da experiência religiosa (BRASIL, 2017).

Enquanto linguagem gestual, os ritos narram, encenam, repetem e representam histórias e acontecimentos religiosos. Dessa forma, se o símbolo é uma coisa que significa outra, o rito é um gesto que também aponta para outra realidade.

Os rituais religiosos são geralmente realizados coletivamente em espaços e territórios sagrados (montanhas, mares, rios, florestas, templos, santuários, caminhos, entre outros), que se distinguem dos demais por seu caráter simbólico. Esses espaços constituem-se em lócus de apropriação simbólico-cultural, onde os diferentes sujeitos se relacionam, constroem, desenvolvem e vivenciam suas identidades religiosas (BRASIL, 2017).

A unidade temática Manifestações Religiosas aborda o conjunto de símbolos, ritos, espaços, territórios, lideranças, dentre outros aspectos, como forma de possibilitar ao estudante conhecimento necessário para melhor convivência com a diversidade religiosa.

O ER, ao identificar, apresentar ou pesquisar as manifestações religiosas em níveis regionais ou globais, pretende proporcionar o conhecimento, a valorização e o respeito às distintas experiências e manifestações religiosas, bem como a compreensão das relações estabelecidas entre as lideranças e denominações religiosas e as distintas esferas sociais (BRASIL, 2017).

Na unidade temática Crenças Religiosas e Filosofias de Vida, são tratados aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos religiosos e filosofias de vida, particularmente sobre mitos, ideia(s) de divindade(s), crenças e doutrinas religiosas, tradições orais e escritas, ideias de imortalidade, princípios e valores éticos. O mito, o rito, o símbolo e as divindades alicerçam as crenças, entendidas como um conjunto de ideias, conceitos e representações estruturantes de determinada tradição religiosa.

As crenças fornecem respostas teológicas aos enigmas da vida e da morte, que se manifestam nas práticas rituais e sociais sob a forma de orientações, leis e costumes. Esses elementos originam narrativas religiosas que, de modo mais ou menos organizado, são preservadas e passadas de geração em geração pela oralidade, bem como os códigos éticos, doutrinas e ideias de imortalidade. Assim, ao longo do tempo, cosmovisões, crenças, ideia(s) de divindade(s), histórias, narrativas e mitos sagrados constituíram tradições específicas, inicialmente orais. Em algumas culturas, o conteúdo dessa tradição foi registrado sob a forma de textos escritos (BRASIL, 2017).

As filosofias de vida, por sua vez, sustentam-se em princípios cujas fontes não advêm do universo religioso. Pessoas sem religião adotam princípios éticos e morais cuja origem decorre de fundamentos racionais, filosóficos, científicos, entre outros