Aline Angélica Pinheiro

Aline Gonçalves

Gilvanio Pedroso

Leila Claudia Tosi

Mary Stela Surdi

Marcia Ione Surdi

“Considero a produção de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto de chegada) de todo o processo de ensino-aprendizagem da língua.”
(GERALDI, 1993, p. 135)

A escolha da epígrafe acima para abrir este texto tem como primeiro objetivo anunciar um dos principais pressupostos que assumimos neste documento: o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa, como língua materna, tem o TEXTO como objeto central, que se materializa através das ações de ouvir, falar, ler e escrever. Alinhado a isso, também assumimos a perspectiva enunciativo- -dialógica da linguagem anunciada na Base Nacional Comum Curricular – BNCC - (BRASIL, 2017, p. 65), o que implica entendê-la como forma de interação, ou seja, lugar no qual os sujeitos se constituem como tal.

O segundo objetivo desta escolha é o de esclarecer que ao defendermos a centralidade do texto no ensino de Língua Portuguesa, também defendemos o rompimento com o modelo tradicional de ensino, focado no estudo descontextualizado da gramática e de seus conceitos. Para isso, propomos um trabalho com a linguagem que favoreça o USO/REFLEXÃO/USO (BRASIL, 1998), por meio das práticas de linguagem/eixos: leitura/escuta, oralidade, produção de textos e Análise linguística/semiótica, incorporando ao cotidiano escolar as tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) e todas as suas possibilidades de comunicação.

a) Oralidade: prática de linguagem que ocorre em situações orais, com ou sem contato face a face (2017, p. 76);

b) Leitura/escuta: prática de linguagem que decorre da interação ativa entre leitor/ouvinte/espectador com textos orais, escritos ou multissemióticos e de sua interpretação (2017, p. 69);

c) Produção de textos: prática de linguagem relacionada à interação e à autoria de textos orais, escritos ou multissemióticos, com diferentes finalidades e projetos enunciativos (2017, p. 74);

d) Análise linguística/semiótica: envolve procedimentos e estratégias (meta)cognitivas de análise e avaliação consciente durante os processos de leitura e produção de textos (2017, p. 78).

Por conseguinte, essas práticas em sala de aula que acontecem de modo articulado e não necessariamente sempre na mesma ordem, promovem ações da linguagem que permitem usá-la ao falarmos ou escrevermos. Por exemplo, ações sobre a linguagem que ocorrem quando refletimos sobre ela e buscamos entender os aspectos relacionados à forma da língua, esclarecendo dúvidas para melhor empregá-la, garantindo, assim, práticas de uso/reflexão/uso.

Assim, o texto torna-se o fio condutor de todo esse processo. Portanto, se assumimos em nossa prática pedagógica que o texto é ponto de partida e o ponto de chegada, assumimos também o compromisso de criarmos condições para que as práticas de linguagem se materializem em sala de aula, pois garantirão a apropriação e o domínio da língua, para o seu uso nas mais diferentes instâncias sociais, tanto públicas quanto privadas (GERALDI, 1999).
O quadro a seguir ilustra o que propomos acerca do circuito do texto

Esse quadro exemplifica um dos possíveis caminhos que podemos construir para materializar o trabalho com o texto na aula de Língua Portuguesa, propondo um circuito metodológico a partir da prática de leitura, tanto de textos verbais como de textos não verbais de diferentes gêneros que geram discussões e que conduzem para a produção de textos orais ou escritos ou não verbais, também de diferentes gêneros. Dessas produções, ocorrem as reflexões metalinguísticas, por meio da prática de Análise linguística/semiótica, selecionando os problemas de domínio da linguagem e as questões gramaticais que precisam ser trabalhadas. Esse trabalho conduz a novas leituras, novos textos, novos gêneros e novas interações.

Mas também pode acontecer por outros caminhos. Podemos, por exemplo, eleger a fala/escuta como ponto de partida, para depois escrevermos, depois lermos e por fim realizarmos a Análise linguística/semiótica. Ou ainda, podemos iniciar pela escrita, que nos eva à fala/escuta, que nos leva para a leitura, de volta para a escrita.

O que se almeja é que os alunos possam concluir o Ensino Fundamental dominando a linguagem de maneira eficaz. Em outras palavras, devem ser capazes de produzir e interpretar textos, tanto para as necessidades do dia a dia – escrever um recado, ler as instruções de uso de um eletrodoméstico – como para ter acesso aos bens culturais e à participação plena no mundo letrado, entender o que é dito num telejornal e ler um livro de poesias (BRASIL, 1998), pois tanto a escrita como a fala são manifestações de uso da linguagem e precisam ser realizada de modo a fazer sentido, ou seja, precisam atender às necessidades concretas, em ambientes reais ou virtuais.

Além disso, destacamos a importância de se defender e de garantir a autonomia do docente no processo de implantação da BNCC, no sentido de que cabe a ele fazer as escolhas que melhor se adéquem a sua realidade escolar e aos contextos de aprendizagem que precisam ser assegurados nessa realidade, desde que em consonância com os pressupostos expostos na Base e neste documento de referência. Em especial, no que se refere ao trabalho com a grande diversidade de gêneros textuais indicados na Base, alertamos para o cuidado de não se cair no equívoco de substituir a tradicional lista de conteúdos gramaticais (tão representativa de um ensino fracassado) por listas de gêneros textuais (o que pode levar ao mesmo fracasso). A seleção e a quantificação da diversidade de gêneros a serem trabalhados em sala devem levar em conta, principalmente, a garantia de um trabalho coerente com tudo o que se tem defendido neste documento: o uso/reflexão/uso da língua.

Considerando esses pressupostos, o componente de Língua Portuguesa deve garantir aos alunos o desenvolvimento de dez competências específicas para o ensino fundamental que serão apresentadas a seguir:

1. Compreender a língua como fenômeno cultural, histórico, social, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo-a como meio de construção de identidades de seus usuários e da comunidade a que pertencem.

2. Apropriar-se da linguagem escrita, reconhecendo-a como forma de interação nos diferentes campos de atuação da vida social e utilizando-a para ampliar suas possibilidades de participar da cultura letrada, de construir conhecimentos (inclusive escolares) e de se envolver com maior autonomia e protagonismo na vida social.

3. Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão, autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo.

4. Compreender o fenômeno da variação linguística, demonstrando atitude respeitosa diante de variedades linguísticas e rejeitando preconceitos linguísticos.

5. Empregar, nas interações sociais, a variedade e o estilo de linguagem adequados à situação comunicativa, ao(s) interlocutor(es) e ao gênero do discurso/gênero textual.

6. Analisar informações, argumentos e opiniões manifestados em interações sociais e nos meios de comunicação, posicionando-se ética e criticamente em relação a conteúdos discriminatórios que ferem direitos humanos e ambientais.

7. Reconhecer o texto como lugar de manifestação e negociação de sentidos, valores e ideologias.

8. Selecionar textos e livros para leitura integral, de acordo com objetivos, interesses e projetos pessoais (estudo, formação pessoal, entretenimento, pesquisa, trabalho etc.).

9. Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o desenvolvimento do senso estético para fruição, a literatura e outras manifestações artístico-culturais como formas de acesso às dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial transformador e humanizadora da experiência com a literatura.

10. Mobilizar práticas da cultura digital, diferentes linguagens, mídias e ferramentas digitais para expandir as formas de produzir sentidos (nos processos de compreensão e produção), aprender e refletir sobre o mundo e realizar diferentes projetos autorais.

Por fim, destacamos a avaliação do processo de ensino-aprendizagem da aula de Língua Portuguesa. Nas aulas de língua portuguesa, a avaliação deve ser vista como processo amplo que não se restrinja à avaliação das produções textuais dos alunos, mas sim, considerando todos os elementos do desenvolvimento (social, cognitivo, emocional, comportamental, expressividade, receptividade, participação, oralidade) é imprescindível.

No componente de Língua Portuguesa a reescrita é imprescindível, uma vez que, o aluno reflete sobre sua própria escrita, seu repertório, bem como contribui significativamente nas produções coletivas. Ademais, o aluno ao revisar seu texto se apropria também do processo de construção de conhecimentos linguísticos em vários níveis: “o sintático, o semântico, o lexical, o pragmático, o ortográfico, o da pontuação, o da paragrafação, o da apresentação formal do texto.

Nesse contexto, o professor deve considerar os resultados diversos apresentados pelo aluno e os diferentes usos da língua em suas especificidades. Isso não significa aceitar qualquer produto, mas sim, direcionar com clareza os critérios delimitados para a construção dessa avaliação, havendo respeito ao que foi apresentado e estimulado nas produções posteriores.

Considerar os resultados diversos apresentados pelos alunos e os diferentes usos da língua em contextos específicos não significa aceitar qualquer produto, aponta-se para clareza nos critérios delimitados para a construção dessa avaliação, havendo respeito ao que foi apresentado e estimulado nas produções posteriores.

Se desde o início temos defendido que o texto é o objeto central na aula de Língua Portuguesa, devemos, então, pensar em critérios de avaliação relacionados ao texto e que auxiliem na identificação de indicadores de êxito desse processo. Assim, ao refletirmos sobre a avaliação é importante não a colocarmos como uma etapa à parte do processo de ensino-aprendizagem e sim com uma etapa contínua desse processo, que contribui para identificar o avanço (ou não) na apropriação das competências necessárias para o domínio proficiente de Língua Portuguesa. Por meio disso é possível identificar e definir que conhecimentos essenciais devem ser contemplados na proposição de planejamentos e planos de aulas que gerem uma aprendizagem significativa.

REFERÊNCIAS

  • ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2003.
  • BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais - língua portuguesa. Brasília (DF): MEC/SEF, 1998.
  • BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 25 mar. 2019.
  • GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula: leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984.
  • GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
  • GERALDI, João Wanderley. Linguagem e Ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas: Mercado de Letras, 1999.